quinta-feira, abril 07, 2005

A opinião dos leitores: Medicina de Trabalho - Surpresas! Também cá fazemos bem!

Ao meu post anterior Medicina do Trabalho - Surpresa!, António Queirós, médico de trabalho, responde com um mail longo, que trancrevo quase na totalidade. Levanta questões bastante interessantes, que iremos discutir em posts seguintes.

Apesar de muitas delas serem questões mais ligadas à área da Saúde no Trabalho, o Morrer a Trabalhar não as deixará de debater, precisamente porque este é um blog que se quer transversal a toda a Segurança e Saúde no Trabalho. No entanto, não posso deixar de referir que me dará o maior prazer fazer eco de discussões deste tipo relacionadas com a Segurança e Higiene do Trabalho.

"(...) Bem sei que a realidade da prática da Medicina do Trabalho, em Portugal (e talvez noutros países), em muitos casos, não tem sido exemplar e nalguns mesmo francamente desadequada, eufemisticamente falando. Mas o mesmo se poderá afirmar da prática de muitos que se dedicam à Higiene e Segurança...

(...) depreende-se por algumas afirmações que produz no texto que a sua opinião sobre os serviços de Medicina do Trabalho no nosso país são pouco favoráveis.

Actualmente exerço a actividade de Médico do Trabalho em duas organizações totalmente distintas: uma multinacional com mais de 1000 trabalhadores, com linhas de montagem, em que tenho um papel coadjuvante do Médico do Trabalho"residente"; e um organismo da Administração Pública com cerca de 4000 funcionários, em que assumo a coordenação das actividades de SHST, numa equipe que integra, entre outros, mais 3 Médicos do Trabalho. Em nenhuma das
organizações actuamos de forma muito diferente da que relata.Aliás, sem falsas modéstias, actuamos de forma bem melhor... (...)

Parágrafo 1: na "Fábrica" (chamemos-lhe assim, se me permite) todos os exames de admissão são realizados previamente à contratação, condicionando-a, tal como afirma também (acrescento que discordo do critério: os exames de admissão, salvo casos especiais, deverão realizar-se após o estabelecimento de uma qualquer relação contratual trabalhador/empregador, mas isso será outra discussão); na "Pública" (designação que adopto para o organismo da Administração), dada a complexidade da organização, realizam-se logo que possível, após a comunicação (imediata) da nova contratação; mas tendemos para a introdução, a curto prazo, de um procedimento nos RH que permita a convocação para exame de saúde antes da admissão;

Parágrafo 2: questiono-me se será necessário recorrer a serviços noutro
país (o que considero, à partida, e epidermicamente, uma "vergonha");
mais, questiono-me ainda sobre a legitimidade (ou "legalidade") de
tal prática... (outro tópico para discussão posterior?);

Parágrafo 3: nunca colaborei em exames de saúde de admissão que durassem 15 minutos; mas também duas horas parecem-me excessivas (atentemos também à"produtividade", se bem me entende);

Parágrafo 4 (o mais delicado): qual o objectivo dos exames complementares realizados, ainda por cima prévios à avaliação médica propriamente dita? Recordo-lhe que os exames deverão ser orientados em função dos riscos esperados ou das necessidades exigidas pelas tarefas a desempenhar e não uma bateria de testes "para inglês ver". Mais, qualquer exame invasivo (como a realização de radiografias ou a colheita de sangue) só deverá ser realizado quando expressamente necessário (atendendo ao risco/benefício) e quando a sua importância e potenciais riscos forem devidamente explicados ao trabalhador, que deverá assentir conscientemente ("consentimento informado"). Já agora, sabe para que servirão as amostras de sangue e urina colhidas? Poderão servir para despiste de consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, e, caso positivas, serem motivo de exclusão? Poderão servir para despistagem de alterações genéticas (não, não estamos no domínio da ficção científica...). Ainda que assim não seja, qual a sua utilidade para o desempenho de uma função administrativa? (mais um tópico para discutir...)

Parágrafo 5: os exames que realizamos (em ambas as organizações em que presto serviço), bem como todos os que realizei noutros contextos, são sempre orientados para a actividade proposta; nem concebo que assim não ocorra;

Parágrafo 6: a avaliação médica deverá ser sempre completa, embora me pareça que 1 hora é tempo de mais... (relembro a "produtividade");

Parágrafo 7: na "Pública" acabámos de realizar mais um inquérito de satisfação aos nossos "clientes", institucionais (as divisões/departamentos do empregador) e individuais (os trabalhadores), numa perspectiva de melhoria contínua de qualidade (esclareço também que aguardamos aCertificação de Qualidade pela Norma ISO 9001:2000, após auditoria daAPCER).

Não pretendo nem creio que entenda estes meus comentários como crítica, porque a isso não são destinados. Nem tão pouco desejo que sejam lidos como demonstração de superioridade ou anormalidade (no sentido em que fogem à norma), mas não rejeito o sentimento, legítimo, de vaidade por aquilo que fazemos. Pretendo sobretudo informá-lo de que outras realidades existem e que, porventura, são desconhecidas
da grande maioria, nela se incluindo os que lidam directamente com as questões de SHST. Também cá fazemos bem!"

António José Vilar Queirós - Médico do Trabalho

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